Entre pequenas cidades castigadas pelo tempo e os campos esverdeados do Delta do Mississippi, onde o horizonte se mistura com plantações de algodão e histórias marcantes da música americana brotam a cada esquina, encontra-se a Dockery Farms. Apontada pelos locais como o possível local de nascimento do blues, essa fazenda histórica é um marco da icônica Rota do Blues, que conecta Nashville, no Tennessee a New Orleans, na Lousiana, passando por locais como Memphis, onde fica Graceland, a famosa mansão de Elvis Presley.

Localizada estrategicamente entre Clarksdale, lar da lendária Crossroads, encruzilhada onde Robert Johnson, um dos maiores nomes do blues, teria vendido sua alma ao diabo, e Indianola, que abriga o incrível Museu do B. B. King, a Dockery Farms é muito mais do que um ponto no mapa: trata-se de um símbolo da cultura musical mundial.

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Dockery Farms

Paulo Basso Jr.

A Dockery Farms foi fundada em 1895 por Will Dockery, empreiteiro visionário que transformou a propriedade em uma das maiores plantações de algodão da região. Localizada na Highway 8, entre Cleveland e Ruleville, no Delta do Mississipi, a fazenda chegou a empregar cerca de 2 mil trabalhadores e, em seu auge, transformou-se em uma comunidade completa, com escolas, igrejas, lojas e serviços médicos para os moradores.

O que torna a Dockery Farms especial, entretanto, é seu papel na história do blues. Nas primeiras décadas do século 20, durante o estopim do período de segregação racial nos EUA, a fazenda, coomo outras da região, abrigou um grande número de trabalhadores afro-americanos. Frequentemente, eles entoavam cantigas de trabalho que, aos poucos, se transformaram nas bases do blues.

Essa prática, vale saber, era comum em diversas plantações do sul dos EUA, mas foi em Dockery Farms que encontrou solo fértil para evoluir em algo mais estruturado e impactante. Isso deve-se, principalmente, à trajetória de um de seus moradores mais ilustres: Charley Patton.

Como surgiu o blues

Paulo Basso Jr.

A maioria dos historiadores defende que o blues evoluiu de forma paulatina, partindo da experiência dos afro-americanos escravizados e, posteriormente, dos trabalhadores rurais livres nos estados do sul dos Estados Unidos. Suas cantigas do período de labuta, também chamadas de “work songs”, eram entoadas para aliviar o cansaço das longas jornadas nos campos de algodão. Essas canções frequentemente apresentavam versos repetitivos e rítmos sincopados, servindo tanto como expressão cultural quanto como forma de comunicação entre os trabalhadores.

Quis a história, porém, que essas melodias ganhassem contornos mais elaborados na Docker Farms, onde Charley Patton viveu por um tempo. Costumeiramente chamado de o “pai do blues do Delta”. Patton cresceu e trabalhou na fazenda, onde teve acesso a uma educação básica proporcionada pelos proprietários, o que era raro para os trabalhadores afro-americanos na época.

Ainda jovem, ele aprendeu a tocar violão com Henry Sloan, um músico local que também trabalhava na Dockery Farms e desempenhou um papel fundamental ao transmitir técnicas musicais e um repertório que misturava os cânticos dos campos com influências das músicas gospel e folk da região.

Patton rapidamente se destacou como um talento excepcional. Ao criar composições que capturavam a vida no Delta do Mississipi, transformou-se em um mentor para outros músicos, ensinando nomes como Eddie “Son” House e Willie Brown. Essa troca de conhecimento musical ajudou a consolidar a Dockery Farms como um celeiro de talentos que moldariam o blues para as gerações seguintes.

De quebra, Patton é creditado por levar o blues para além das plantações, apresentando o gênero em festas, mercados e outras comunidades. Suas letras refletiam a vida cotidiana no Delta do Mississipi, abordando desde o trabalho árduo até temas espirituais e sociais.

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O papel da comunidade em Dockery Farms

Paulo Basso Jr.

Conforme os anos passaram, a convivência na Dockery Farms tornou-se cada vez mais marcada pelo intercâmbio constante de ideias musicais, que também funcionavam como uma forma de resistência. Os trabalhadores usavam violões rudimentares e gaitas para acompanhar suas canções, adicionando complexidade aos ritmos simples das cantigas de trabalho.

Foi justamentew essa fusão de técnicas e estilos que resultou no blues como é conhecido hoje. Além de Patton, Eddie “Son” House e Willie Brown, outros artistas que passaram pela fazenda ajudaram a popularizar o ritmo, incluindo Howlin’ Wolf, cuja potência vocal deixou uma marca indelével no gênero.

Já de meados para o fim do século 20, o blues se expandiu para outros lugares dos EUA e se tornou elétrico com nomes como Muddy Waters e B. B. King, ambos nascidos no Delta do Mississipi. De quebra, o gênero serviu de base para o desenvolvimento de estilos como jazz, rock ‘n’ roll e R&B.

Como é a visita a Dockery Farms

Paulo Basso Jr.

Carregada de história, a Dockery Farms é, hoje, um ponto de parada essencial para quem percorre a Rota do Blues. A fazenda preserva parte de sua infraestrutura original, incluindo grandes galpões e um posto de gasolina com bombas antigas bem na entrada, que se tornou um ícone fotográfico. A visita é gratuita e inclui acesso a exposições que narram a história do local e seu impacto na música.

Um dos destaques da visita é a famosa placa azul que declara a Dockery Farms como o “possível local de nascimento do blues”. Atrás dela, há um botão verde que, ao ser pressionado, ativa caixas de som espalhadas pelos galpões, tocando clássicos do blues. É uma experiência imersiva que transporta os visitantes para os dias em que Charley Patton e seus contemporâneos transformavam suas lamúiras em música.

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Serviço

Paulo Basso Jr.

• Localização: A Dockery Farms fica na Highway 8, entre Cleveland e Ruleville, Mississippi.
• Entrada: Gratuita.
• Dica: Não esqueça de apertar o botão verde atrás da placa azul para ouvir blues enquanto explora o local.

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