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Crônicas na Bagagem: covid-19 interrompe roadtrip de brasileiros
- Créditos/Foto:Divulgação
- 30/Abril/2020
- Luchelle Furtado
Em 18 de fevereiro de 2019, Carina Furlanetto e João Paulo Mileski, casal de jornalistas que estão juntos há dez anos, partiram para uma jornada de autoconhecimento pelas entranhas da América do Sul. Ao longo desse período na estrada, a bordo de um Renault Sandero 1.0, o casal colecionou histórias que são compartilhadas diariamente no Instagram Crônicas na Bagagem.
No entanto, com a pandemia da covid-19, a rotina do casal foi profundamente alterada e eles se viram forçados a voltar para Bento Gonçalves (RS), onde moram. O Rota de Férias conversou com Carina para saber como se deu essa trajetória.
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Covid-19 interrompe roadtrip de brasileiros
Quando e como ficaram sabendo a respeito do covid-19?
Começamos a ouvir falar a respeito do coronavírus por volta do fim de janeiro e começo de fevereiro. Nesse período, estávamos no Pará, mas até então pensávamos que era algo muito distante, já que começou na China. Não acreditávamos que seríamos afetados por isso. Além disso, como estávamos viajando, nem sempre tínhamos acesso à internet e não conseguimos acompanhar muito bem todas as notícias e tudo o que estava acontecendo. Sendo assim, seguimos a viagem normalmente. Mas, em março, quando estávamos nos Lençóis Maranhenses, na cidade de Barreirinhas, no Maranhão, a gente começou a perceber que estava aumentando a quantidade de amigos falando sobre isso nas redes sociais. Também começamos a receber perguntas dos nosso seguidores, querendo saber se estávamos alterando nossas viagens por causa do coronavírus e o que estávamos fazendo.
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Com esses avisos, vocês ficaram mais atentos?
Sim, paramos para olhar mais atentamente a situação, embora o Maranhão, que era o estado onde estávamos, não tivesse casos até então. As únicas ocorrências eram em São Paulo e continuamos pensando que isso não nos afetaria. Apesar de seguirmos a viagem depois disso, a partir desse momento nós ficamos em alerta e passamos a acompanhar mais as notícias, ficar por dentro do que estava acontecendo e ir se inteirando sobre o assunto. Passado isso, fizemos alguns passeios pelos Lençóis Maranhenses. Mas, quando realizamos a última visita no local e voltamos para o hostel, recebemos a informação que o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses seria fechado no dia seguinte – assim como todos os outros Parques Nacionais. Isso acendeu o sinal de alerta para a gente de que talvez não fosse o melhor momento para estarmos viajando. Ainda nesse dia, que era o último que ficaríamos na cidade, nós tínhamos recebido um convite para ficarmos em uma casa em Santo Amaro, que também é outro ponto para conhecer os Lençóis Maranhenses. Era um lugar mais isolado, no qual não teríamos contato com outras pessoas, como em um hostel. Decidimos então ir para essa casa com a ideia de continuarmos monitorando toda a situação. Lá, nós tínhamos acesso a TV e internet e começamos a notar que os governadores começaram a tomar algumas medidas mais radicais. Com isso, enfim, tivemos que tomar uma decisão.
O que fizeram a partir daí?
Nós tínhamos permissão para ficar nessa casa por uma semana, mas depois de três dias, decidimos acelerar e ir até Recife – a 1.500 km de onde nós estávamos –, onde mora a minha irmã. Afinal, poderíamos permanecer por lá o tempo que fosse necessário. Decidimos antecipar a nossa saída, mesmo cansados, já que vínhamos de uma série de passeios. Estávamos com medo de pegarmos alguma rodovia bloqueada ou algo do tipo. Quando chegamos em Recife, a ideia era ficar por lá o tempo que fosse necessário, mesmo que isso levasse de um a dois meses. Mas, com o passar dos dias, fomos vendo notícias e opiniões de especialistas e notamos que não seria seguro voltar a viajar da maneira que nós vínhamos fazendo. Além disso, ainda tinha a questão de ter estabelecimentos e parques fechados. Isso porque, como viajamos em um carro sem adaptação, além de sempre estarmos em contato com outras pessoas, o veículo não funciona como um motorhome, por exemplo, no qual teríamos autonomia para usar o banheiro, tomar banho… Com o nosso carro, vimos que continuar viajando sem esse tipo de recurso nos faria ter contato com outras pessoas, seja em banheiros públicos, seja em postos de combustível, por exemplo. Fora isso, podíamos ser um risco para outras pessoas caso nos contaminássemos, já que poderíamos ficar assintomáticos e, mesmo assim, transmitir algo.
Quando decidiram encerrar a viagem de vez?
Depois de 18 dias em Recife, resolvemos voltar para Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Não foi uma decisão fácil. Na capital do Pernambuco, nossa ideia era, durante a pausa, descansar e tocar outros projetos, como transformar as nossas crônicas e experiências em um livro. Só que a incerteza sem relação ao tempo de isolamento não nos permitiu ter a tranquilidade e cabeça para escrever. Sempre viajamos para estarmos em movimento, conhecermos e explorarmos outros lugares, e de repente nos vimos obrigados a ficar parados. Então, pensamos que seria melhor estar perto de nossas famílias, para que a gente pudesse, de alguma forma, dar suporte a eles. Isso acabou pesando bastante na decisão de retornar para nossa cidade. Fizemos o caminho de volta, de quase 13.700 km, em seis dias. Durante esse período, dormimos no carro, em postos de combustível às margens da rodovia, tentando sempre ter o mínimo de contato com outras pessoas.
Durante o retorno, chegaram a passar por algum bloqueio ou situação embaraçosa?
Essa questão de bloqueios de rodovia foi uma das nossas preocupações no trajeto entre o Maranhão e o Recife, na verdade. No dia anterior a nossa saída, vimos que o governador do Ceará tinha decretado o estabelecimento de barreiras sanitárias nas rodovias. Logo, porém, veio a informação de que os governadores não poderiam interferir no funcionamento das rodovias federais. Assim, não tivemos problemas. O que vimos foi, nas entradas de algumas cidades, como Diamantina (MG), postos com policiais do exército medindo, provavelmente, a febre de algumas pessoas. Para nós, entretanto, apenas perguntaram se estávamos de passagem ou se ficaríamos ali. Como a gente disse que estava voltando para o Rio Grande do Sul e não pararíamos na cidade, nos deixaram passar sem maiores problemas.
O que mais aconteceu durante o retorno a Bento Gonçalves?
Compramos um estoque de comida para cozinhar no carro, já que tínhamos uma adaptação com bateria extra para aquecer a panela elétrica. Mas, claro, precisávamos parar em posto para tomar banho, usar o banheiro, e também tivemos contato com outras pessoas no pedágio. Tomamos os devidos cuidados, como passar álcool em gel nas mãos durante o percurso. Mesmo assim, quando chegávamos a Bento Gonçalves e não sabíamos se tínhamos contraído o vírus, decidimos ficar na casa dos pais do João. Isso porque eles têm uma casa de dois andares e moram apenas na parte de cima. Ocupamos o andar inferior, estamos aqui e vamos ficar assim por 14 dias para ver se algum sintoma se manifesta. Nesse período, vamos evitar o contato com eles, já que também são idosos.
O que vão fazer durante esse período?
A gente pretende usar o período de quarentena e isolamento para produzir. Já começamos a fazer o nosso livro e queremos concluí-lo e lançá-lo até o fim do ano, se tudo correr bem. Depois, quando as coisas normalizarem, e a gente espera que isso aconteça o mais rápido possível, pretendemos retomar aquilo que ficou faltando. Afinal, o objetivo da nossa viagem era percorrer a América do Sul de uma ponta a outra, e ficou faltando a última etapa, que era passar por todos os estados do Brasil. Completamos apenas cindo deles: Roraima, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão.
Como está sendo lidar com o corpo e a mente após o retorno?
A gente está curtindo esse tempo para descansar um pouco. Vínhamos de uma maratona de seis dias de estrada, dirigindo por cerca de 12 horas por dia. Ficamos quase 14 meses sem termos uma rotina fixa, mas ao mesmo tempo com toda a intensidade de fazer passeios, procurar lugares para dormir e tarefas do tipo. A gente está respeitando o nosso ritmo, sem nos cobrarmos demais. De qualquer forma, estipulamos a meta de trabalhar em cima do livro. Então, estamos passando o dia com tarefas como abrir o computador e escrever um pouquinho, mas também aproveitando para assistir a um pouco de televisão, tomar sol, tomar um chimarrão, essas coisas, sem muita pressão.
Quais são os próximos passos em relação ao Crônicas na Bagagem?
Tínhamos uma programação e um desafio de publicar, diariamente, um texto e uma foto inédita feita naquele mesmo dia. Conseguimos manter quase tudo isso pelo tempo que durou a viagem. Foram 421 diários escritos, mas a partir do dia 399, paramos de subir fotos feitas nas últimas 24 horas, já que não estávamos mais passeando e tínhamos começado a quarentena em Recife. O último retrato que tiramos foi a caminho do Maranhão para Pernambuco. A partir daí, passamos a usar apenas imagens de arquivo, pois muitas pessoas nos acompanham e não queríamos sair para a rua e ser um mau exemplo.
Falando sobre a viagem, que tipo de planejamento financeiro vocês fizeram para encarar o projeto?
O nosso planejamento financeiro foi feito de forma simples. Pegamos nossas economias dos últimos anos, projetamos quanto iríamos ganhar alugando nosso apartamento enquanto estivéssemos na estrada e calculamos que, com R$ 100 por dia, conseguiríamos viajar por dois anos. Encerramos esses 421 dias de viagem com uma média um pouco acima, já que gastamos R$ 110 por dia, mas acreditávamos que, se seguíssemos viajando no Brasil, iríamos atingir a meta. Afinal, estávamos contando com convites para ficar nas casas de algumas pessoas. Fora do Brasil é mais complicado, pois sofremos com perda de câmbio. Agora, com a pausa forçada, vamos manter nosso apartamento alugado, que é nossa única fonte de renda no momento, e aguardar até podermos viajar novamente.
Quais são os planos quando puderem voltar a viajar?
Com a pausa forçada, nossos sonhos ficaram ainda mais audaciosos. Queremos finalizar a etapa que ficou faltando no Brasil e ir além, rumo a viagens maiores. Vamos focar projetos para levantar financiamento, como o livro e outros produtos, a exemplo de camiseta, pôsteres e canecas.
O que vocês tiraram de lição ao fim desse primeiro ciclo da viagem?
Sabemos que encerrar a viagem, por enquanto, foi a decisão mais sensata. Tivemos tempo para refletir um pouco sobre a nossa trajetória, sobre tudo aquilo que a gente enfrentou. Muita gente não acreditava no nosso projeto e, inclusive, nos desencorajou, falando que não iríamos passar do primeiro pedágio por estarmos com um carro 1.0, por exemplo. Então, a sensação que a gente teve ao chegar em Bento Gonçalves foi a de dever comprido. A caminho da casa do João, o carro atingiu 50 mil km rodados desde o momento em que partimos. Ele não era zero quilômetro e nós já o tínhamos quando iniciamos a viagem, mas rodamos 50 mil km por toda a América do Sul, de ponta a ponta. Olhando o mapa pelos lugares onde passamos, a sensação é incrível, apesar de não termos conhecido todos os estados do Brasil. Mas vale dizer também que estávamos com saudade da família, de vermos nosso pais. Nunca tínhamos ficado mais de um mês longe deles. No fundo, a pausa foi importante para descansarmos o corpo e colocar um pouquinho as ideias no lugar a fim de planejar a retomada. A gente não sabe quando ela vai acontecer, mas estamos nos preparando para isso.
Capitais da América do Sul
A América do Sul conta com diversos pontos turísticos em seu território. Muitos deles podem ser facilmente visitados pelos brasileiros, já que o País ocupa boa parte do território sul-americano. Composto por 12 nações, a maior parte delas faz fronteira com o Brasil, exceto Equador e Chile. Confira aqui: